Erykah Badu receberá nesta segunda-feira (28.10) o prêmio de ícone da moda pelo Council Fashion of Designers of America (CFDA). A cantora está a caminho do Brasil, onde se apresentará dia 6 de novembro, em São Paulo, em 8 de novembro, no Rio de Janeiro, no Festival Rock the Mountain, e em 9 de novembro, em Salvador, no Festival Afropunk. Confira a seguir a entrevista com Erykah publicada no Volume 12 da ELLE, em maio de 2023:
Em 1997, Erykah Badu era uma cantora novata, que fazia sua primeira apresentação no Brasil, no extinto Free Jazz Festival. Em um palco intimista, repleto de velas, usando um enorme turbante e grávida de sete meses de Seven, seu primeiro filho, ela mostrava seu disco de estreia. Lançado no início daquele ano, Baduizm lhe deu seus dois primeiros Grammy e a catapultou a um dos nomes mais interessantes da cena neo-soul daquela virada de milênio.
Os 25 anos de Baduizm a trouxeram de volta ao país no início deste 2023. O turbante, que era sua marca registrada, deu lugar a um grande chapéu e, em sua quinta visita por aqui, Badu cantou e dançou para uma plateia que conhece bem o repertório de seus cinco álbuns. O tempo passou e a cantora só ganhou mais relevância.
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Dias depois, ela estava em um estúdio no Rio de Janeiro, onde atravessou o dia posando para as fotos deste entrevista, em que também aparece ao lado da sua segunda filha, Puma. Badu fez questão de criar com a equipe da ELLE este ensaio, planejado semanas antes de sua vinda ao Brasil. O resultado são imagens que remetem a cerimônias de cura e evocam as religiões afrobrasileiras, um universo que ela vem conhecendo de perto durante suas visitas ao país há pelo menos uma década. Afeita a rituais, acendeu seu incenso no estúdio. Acessível, sem sombra de estrelismo, interagiu com todos.
Levou dois percussionistas de sua banda e pediu a participação de outros brasileiros no ensaio, Ogãs na umbanda, com seus atabaques. Toda essa simbologia das fotos dialoga com o trabalho de Badu, ou Erica Abi Wright, 52 anos, além da música. Há duas décadas, também atua como doula e é mestre em reiki (uma terapia alternativa japonesa baseada em transferência de energia). Em março, propositalmente no Dia Internacional da Mulher, lançou That Badu, sua própria linha de cannabis, que inclui um cookie e uma flor (a parte da planta que se fuma), em colaboração com a Cookies, uma bem-sucedida empresa do segmento (o uso recreativo da maconha, vale lembrar, é legalizado em mais de 20 estados dos EUA). Os lançamentos ainda ganharão a companhia de uma linha de chás de cogumelo, uma para o dia e outra para a noite.
Do wellness à moda, ela apresentou no início deste mês sua coleção em parceria com a Marni – Puma e Seven posaram para a campanha com styling e direção de arte da mãe. Dias antes, Badu foi ao Met Gala usando um vestido da label italiana, devidamente “baduizado” com seus muitos amuletos, acompanhada por Puma e Francesco Risso, o diretor criativo da Marni. Logo mais, em junho, a cantora, sempre em diálogo com o rap, sai pelos Estados Unidos em turnê com Yasiin Bey (antes conhecido como Mos Def ) e convidados especiais.
De sua casa, em Dallas, onde nasceu e cresceu, ela conversou com a ELLE sobre esse universo bem particular.
“Também sou uma doula para pessoas que estão morrendo, as acompanho ao lado da cama”
Como você começou a atuar como uma doula? Tem ideia de quantos partos já auxiliou?
Não. (risos) Comecei em 2001, com uma mãe que era uma amiga. Naquela época, eu não era uma doula propriamente. Mas esse foi o dia, em 2001, que percebi: “Isso é algo que posso fazer para as famílias”. Depois, me dei conta de que meu compromisso é com os bebês, me certificando de que, quando eles passam, de onde quer que estejam vindo, o espaço seja agradável, que as pessoas estejam respirando facilmente e prestando atenção. Esse é um dos eventos mais sagrados da vida e procuro garantir que seja uma prioridade para todos no espaço que abram os caminhos para a criança que ainda não nasceu. Ou para quando a pessoa vai para a outra direção. Também sou uma doula para pessoas que estão morrendo, as acompanho ao lado da cama. Meu foco é a respiração, para que haja calma e aceitação no espaço.
Você postou recentemente no Instagram uma foto em que Puma lhe acompanhou em um parto de gêmeos.
Foi a primeira vez, e não sei se é algo que Puma queira fazer, mas achei importante levá-la oficialmente para que fosse natural para ela. Uma doula é uma assistente no parto e muitas delas têm rituais sagrados. Isso começou bem antes da introdução da indústria médica. Na cultura afro-americana, a taxa de mortalidade em partos era muito alta porque não fomos educados para isso, e a única maneira de trazer crianças ao mundo era em casa. Mas aprendemos muitas técnicas, habilidades, e a taxa de mortalidade infantil diminuiu. Então, é importante que continuemos a tradição e aprendamos a prática. É por isso que quis que Puma fosse comigo. É a forma como mais nos alinhamos à natureza.
Você vem visitando terreiros de candomblé e doulas no Brasil, certo?
Já visitei no passado. Desde 2013 (em sua terceira passagem pelo Brasil), estou sempre querendo encontrar pessoas, em diferentes rituais e tipos de coisas que me interessam, como medicina convencional, cerimônias, partos, organizações. São coisas que me dão mais entendimento sobre quem eu sou. E no Brasil realmente me conectei com a cultura.
Como você se tornou uma mestre em reiki?
Notei que era sensível à atmosfera, às pessoas, às emoções e às energias. Isso me levou a pesquisar mais sobre as energias espirituais que nos cercam e, nos meus estudos, encontrei o reiki, no início dos meus 20 anos. Foi algo que ressoou em mim.
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Puma estava com você no show em São Paulo, ajudando dos bastidores. O quanto seus filhos conseguem viajar com você pelo mundo?
Eles viajam comigo desde que são bebês. (Além de Seven, 25 anos, seu primogênito com André 3000, da dupla Outkast, e Puma, 18, fruto do relacionamento com o rapper The D.O.C., Badu é mãe de Mars, 14, filho do rapper e produtor Jay Eletronica.) Meu primeiro álbum saiu em fevereiro de 1997, e eu fiquei grávida um mês depois. Só conheço essa carreira com filhos. Eles estão sempre comigo, viram tudo o que aprendi e fiz. Felizmente, aprendi as coisas na hora certa, antes que me perguntassem algo. Então, viajar comigo é uma grande parte da vida deles.
Baduizm completou 25 anos em 2022. Quatro álbuns depois, como você acha que a sua música mudou?
Conforme mudei, minha música mudou. Conforme evoluí, ela evoluiu. Mas a constante tem sido o tambor, o ritmo. E essa é também a minha conexão constante com o Brasil. As coisas que digo são diferentes, os ritmos que toco são diferentes. Eles evoluíram.
“Só conheço essa carreira com filhos. Eles estão sempre comigo, viram tudo o que aprendi e fiz”
Sua última mixtape é de 2015. Você tem planos para lançar um álbum?
Tenho, em algum momento. (risos) Por ora, estou fazendo download ou vivendo, experimentando coisas para que tenha algo a dizer e um ritmo de tambor para tocar.
Você já disse que é mais uma artista de palco do que de estúdio.
Sim, viajo mais do que gravo. São duas coisas diferentes. Gravar uma canção ou um álbum é aperfeiçoar um momento. Você rebobina, adiciona efeitos, grava diversos vocais e backgrounds. Mas prefiro performances ao vivo, que é criar o momento, e ele nunca acontecerá de novo. Realmente gosto, porque é um grande desapego. Você performa ou apresenta algo como um presente que não mais lhe pertence. Você tem que deixar ir. Isso se torna o sonho ou a motivação de alguém.
O que você gosta na música hoje em dia ou tem escutado?
Tenho ouvido muita música tribal. Estou fazendo esse tipo de música, além de música meditativa em línguas que criei. (risos) E a língua que estou falando tem palavras que nunca escutei. Estou fazendo música com o tempo. Quando você pergunta como a minha música mudou, ela se transforma com o tempo. Agora preciso dele para realinhar e reconectar. É isso o que estou fazendo nesse momento. Vamos ver o que acontece.
Você estudou teatro, atuou em filmes. O quanto isso ajuda no palco? Ou é tudo um mesmo pacote artístico?
É um mesmo pacote. Estive atuando, no palco, desde meus 4 anos. Isso era muito natural quando era criança. Hoje, faço meu próprio som, a iluminação, a produção (dos shows). Escolho o tema e a lista de músicas que vamos tocar naquela noite, o que vou vestir, o que a banda vai usar, como é o visual, o cheiro, o sentimento. Há muito treino teatral, mas a performance em si é muito menos do que atuar. É mais um compartilhamento.
“Estive atuando, no palco, desde meus 4 anos. Isso era muito natural quando era criança”
Você trabalha com algum stylist ou escolhe o que veste nos shows?
Eu mesma escolho minhas coisas. Faço minhas peças ou alguém as faz para mim. Escolho no último minuto. É também parte do ritual me vestir para a ocasião. Às vezes, uso no palco o que usei para dormir. Mas os acessórios, os chapéus, os casacos, os sapatos fazem o cerimonial. (No show em São Paulo, Badu foi se despindo das peças ao longo da apresentação.) Sempre uso meus talismãs, meus amuletos, coisas que me fazem sentir confortável e empoderada. É para isso que me visto, para me sentir confiante.
Você tem usado muitos chapéus. Eles parecem substituir seus antigos turbantes. Você vê dessa forma?
Eu gosto de ter uma coroa, um tipo de capacete ou uma peça cerimonial. E minha cabeça é parte da cerimônia também. É algo indígena que faço e que vem naturalmente.
“Uso cannabis na minha música, no meu trabalho de cura, na minha assistência a mães de diferentes maneiras”
Recentemente, você esteve em alguns desfiles – Burberry, Bottega Veneta, Rick Owens. O que lhe interessa na moda hoje?
Os diretores criativos das casas. É disso que se trata. Eles são responsáveis por unir o look, a história, o sentimento. Adoro a criatividade do mundo da moda hoje, sejam casas menores ou grandes, como Gucci, Burberry, Ferragamo. Mas é sempre sobre a criatividade ou a direção que estão seguindo. Estou interessada em ver como isso se desdobra em formas e cores. É nisso que estou ligada, em estilo. A moda, nem tanto. Não sabia muito a respeito até anos atrás. Entendo de estilo e o meu foco principal quando olho para as coisas são as formas, as camadas, a inteligência na mistura das cores. Esse tipo de coisa que só a graça pode dar a uma pessoa.
Como foi a experiência de criar uma coleção para a Marni?
Gostei muito. Francesco (Risso) é um dos mais criativos diretores que conheci. Sua paixão, sua angústia e todas as coisas que ele sente trabalhando diante de seu prazo são transformadas em detalhes e peças. É por isso que gosto de trabalhar com ele. A gente se divertiu. É sobre isto: se arriscar. Gosto de diretores que têm essa liberdade.
Mudando de assunto, como nasceu sua linha de cannabis? Você já disse que mulheres não são bem representadas no universo da maconha.
Quando quis entrar no mundo da cannabis, queria no mínimo ter algum propósito. Uso cannabis na minha música, no meu trabalho de cura, na minha assistência a mães de diferentes maneiras. Achei que poderia ajudar me juntando a essa discussão sobre a cannabis para começar a desmistificar o tabu que a cerca. Suas propriedades curativas e medicinais são ofuscadas pelo consumo comercial. As duas coisas são necessárias. Não importa como você empacota ou vende, ainda assim (a planta) é medicinal e é sobre isso que eu quero falar, especificamente com mulheres. Tenho 51 anos, talvez tenha 52, acho que tenho 52. (Badu nasceu em fevereiro de 1971.) Passei por quase todos os altos e baixos de qualquer outra mulher na minha idade. Descobrir os usos dessa planta medicinal e pesquisar com outras mulheres desse campo é algo que quero fazer para aliviar sintomas pré-menstruais, menopausa, ansiedade, estresse. Quero falar sobre coisas como o uso de produtos de CBD e canna-bis na sexualidade, no ato sexual, para nossos órgãos reprodutivos. Aprendi muitas coisas pesquisando com Berner, meu parceiro, dono do Cookies (que lançou a linha de Badu), e que vou dividir nesse processo.
Como tem sentido a passagem do tempo, aos 52 anos?
Estava pensando justamente nisso antes de você ligar. Quase todo dia quando acordo, os pensamentos vêm à minha cabeça rapidamente e eles são sobre a minha avó, minha infância, coisas que aconteceram no passado. Então, sigo para o meu dia e penso: meu Deus, alguns dos detalhes das minhas memórias estão sumindo. E aceito que não preciso das lembranças, que elas não ocupam mais espaço na minha mente. Posso deixá-las ir e estar bem com isso.
“Passei por quase todos os altos e baixos de qualquer outra mulher na minha idade”
Pelo Twitter, dá para ver que você vem treinando muito boxe.
(Risos) Eu adoro. Há cinco coisas, ou os únicos cinco doutores, que precisamos na vida. O doutor Sol, vitamina D, o que vai nos dar energia vital. Sono, precisamos dormir durante certo tempo à noite, logo após o sol se pôr, por quatro, cinco horas, porque essa é a única hora que os hormônios são liberados pela glândula pineal (que regula nossos ciclos biológicos). Nutrição, a comida correta. Se colocarmos coisas processadas no nosso corpo, ele não irá funcionar bem. Exercício, pelo menos 15 minutos por dia. E o boxe, que venho fazendo há muitos anos, me faz sentir bem, ajuda a eliminar o estresse, faz com que o humor melhore. E meditação, de uma conexão espiritual, seja religião, seja música, apenas 15 minutos no dia, em que você possa sentar e escutar.
E você consegue fazer todos esses passos em…
…Um dia. Sou vegana há 25 anos, então isso está coberto, como a comida certa. Tomo sol, se tiver. Senão, uso lâmpada ultravioleta e tomo suplemento de vitamina D, que dá a mesma energia vital. Medito. Faço meus exercícios à tarde, vou para o boxe. E tento dormir. Mas meu sono está estranho, com pausas. Durmo quatro horas, das 9 até a meia-noite, acordo e volto a dormir da 1 às 4, e acordo.
É suficiente para você?
Sim, a essa altura… (risos) Vamos descobrir.