“No quilômetro 30, você dobra.” Foi assim, que a artesã Dona Aldenice indicou o caminho para a sua casa, no interior do Ceará, pela primeira vez, a Celina Hissa, fundadora da marca Catarina Mina. Hoje, as duas trabalham juntas há mais de dez anos e se preparam para ver as suas roupas e acessórios, que têm o trabalho manual como base de tudo, estrear na SPFW N57.
Base de tudo, porque a Catarina Mina, mais do que uma etiqueta, é uma rede de mais de 30 comunidades, em que aproximadamente 450 artesãs brasileiras criam por meio do artesanato. São bolsas, cintos, brincos, sapatos, itens de decoração e peças de vestuário construídos por tipologias artesanais, como a renda e o crochê.
Catarina Mina, SPFW N57. Foto: Thiago Brito
Criada em 2008, a marca já está em 17 países diferentes e não para de conquistar a atenção internacional, o que representa 20% do seu faturamento anual. Além disso, a etiqueta é membro do Pacto Global da ONU. Para Celina Hissa, isso evidencia o quanto a peculiaridade artística brasileira coloca o nosso país como “o grande potencial no mercado de moda sustentável”.
Ocupando cada vez mais espaços, a marca é uma das estreantes da SPFW N57. Para a primeira apresentação, uma coleção chamada de Guardiãs da Memória deverá mostrar 40 looks produzidos em seis técnicas artesanais distintas, junto de peças de alfaiataria em linho e seda e estampas exclusivas. A expectativa, conta Celina, “é conseguir refletir na passarela tudo aquilo que a Catarina Mina trabalha há tempos”.
SPFW N57: a estreia de veteranas
Os destaques da coleção são as tipologias manuais, o carro-chefe da Catarina Mina desde a sua origem. Um deles é o bilro, um tipo de renda característica do município cearense de Trairi e que nasce nas mãos de mais de cinco mil mulheres. “Não à toa, a cidade é chamada de ‘A Cidade da Renda de Bilro’ e exporta esse artesanato desde os anos 80”, explica Celina.
Conceição e Fátima, artesãs do filé. Foto: Thiago Brito
O labirinto, por sua vez, é uma renda minuciosa que tem grande risco de extinção. “A maioria dessas artesãs são senhoras. A Dona Bia, mestra no labirinto, tem 82 anos”, ela conta. A diretora também cita outras técnicas preciosas e presentes na coleção, como o filé, bordado característico da cidade de Jaguaribe; a tecelagem com palha de carnaúba, palmeira típica do Ceará, Piauí e Maranhão; além do bordado manual e do crochê.
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Todas as artesãs envolvidas com a Catarina Mina participaram ativamente da criação dos looks de passarela e algumas delas estarão presencialmente no dia do desfile, em São Paulo.
Catarina Mina: uma trajetória de impacto
A história da Catarina Mina se mistura com a história de sua fundadora e diretora, Celina Hissa. Formada no curso de publicidade e propaganda, a recifense nasceu em um ambiente criativo, com pais arquitetos e, desde cedo, se interessou por design. Ela então trabalhou com direção de arte, o seu primeiro grande contato com o artesanato cearense. E veio daí a ideia de fazer bolsas.
A primeira delas foi construída em 2008, usando como base o tecido de um vestido antigo de Celina. Na época, surgiam no mercado algumas opções de bolsas de crochê feitas em tecido, o que, até então, era algo inédito. “Pensei em usar o crochê, esse artesanato tão conhecido, mas com outros materiais. Foi quando tudo virou linha para a gente”, lembra Celina, destacando que as artesãs abraçaram a ideia.
Catarina Mina, SPFW N57. Foto: Thiago Brito
Daí em diante, o processo de desenvolvimento da marca aconteceu de forma orgânica, fazendo parcerias e conectando saberes. No início, o foco era produzir para outras empresas em um modelo de negócio conhecido como private label – ou seja, confeccionar para outras marcas. Mais tarde, no entanto, a diretora percebeu que para fortalecer a grife e o seu propósito era necessário ter um negócio próprio, com mais autonomia.
Esse foi o estopim para a ampliação da Catarina Mina como a conhecemos hoje, firmando-se como uma marca importante no quesito de responsabilidade social. O lema não mudou. A grande bandeira da fundadora e, consequentemente, da etiqueta, é: mais importante que o artesanato, é a artesã. “Primeiro, a gente tem que olhar para quem guarda a memória do artesanato”, afirma Celina.
É por isso que a grife tem uma célula de impacto interna, que mede os efeitos das atividades. “Uma tipologia artesanal pode acabar se ela não for trabalhada e, para isso, você precisa cuidar das pessoas que a preservam. De nada vale a gente chegar num grupo, desenvolver um projeto e depois mudar para outro”, defende Celina, que ao longo dos anos criou vínculos fortes com as comunidades.
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Um método desta célula se chama #UmaConversaSincera, em que os custos envolvidos no processo de produção de cada peça é declarado. Essa busca por maior transparência surgiu em 2015, depois de inquietações de Celina sobre sustentabilidade financeira. O nome, explica a diretora, é realmente um convite para “chamar as pessoas para perto” e refletir sobre remuneração justa e respeito aos saberes ancestrais.
O impacto da marca na vida das mulheres passa pela geração de renda e trabalho digno, mas não se limita a isso. Celina conta que a tal ressignificação do artesanato ganha corpo mesmo quando são conquistadas histórias reais de artesãs que fortaleceram a sua autoestima por meio do trabalho manual. “Mais do que uma marca que faz produtos, nós articulamos parceiros e comunidades, para que eles próprios tenham força”, finaliza.